INÍCIO DA DESCOLONIZAÇÃO





Com a saída do Governador Engº Santos e Castro, a vida em Luanda continuava pendente dos acontecimentos que se iam desenvolvendo em Lisboa.


Tenente Coronel "ANTÓNIO DA SILVA OSÓRIO SOARES CARNEIRO"
GOVERNADOR GERAL INTERINO
De 27 de Abril a Maio de 1974



General "JOAQUIM ANTÓNIO FRANCO PINHEIRO"
GOVERNADOR GERAL INTERINO
De  04 de Maio de 1974 a 15 de Junho de 1974


   


CHÁ DAS SEIS

Certamente terá sido este um dos  programas de variedades que  maior sucesso obteve, com mais público e maior longevidade em Angola.
Em Luanda, raros, ou mesmo poucos dos que lá passaram, foram os que nunca acorreram ao lindo e enorme edifício do Cinema Restauração para aplaudir tantos dos pequenos artistas anónimos da terra que ali se mostravam, desabrochanco para carreiras promissoras, também as grandes vedetas já consagradas que de passagem ali actuavam e os sonhadores em busca de ribalta.
Quem não assistisse ao vivo, poderia sintonizar -se no Rádio Clube de Angola que, ao sábado à noite e ao domingo à tarde, transmitia o programa em diferido.
Desde Novembro de 1959, então como nome de «Chá das Seis e Meia» e encontro marcado à sexta -feira, faz parte da rotina da cidade. Conquistou tanto sucesso, que logo ganhou mais tempo e outra honra na agenda. Daí em diante, das seis da tarde às oito da noite de sábado, a orquestra tomava conta do palco do Restauração.
Os lucotores/apresentadores que deram voz a todos quantos pisaram aqueles palcos das luzes da ribalta, esses, pouco mudaram.
Luiz Montez, Santos e Sousa, Rui Urbano, Fernanda Ferreirinha, Alice Cruz e Diamantino Faria fazirem a cortesia dos primeiros tempos. Seguiu-se Artur Peres. Mais tarde, quando Alice partiu, veio a Ruth Soares.
A orquesta Casal Ribeiro, foi a orquesta residente, se não de todos, pelo menos da maioria desses programas



DURANTE OS PRIMEIROS DIAS COMEÇARAM AS INICIATIVAS DE DEBATE POLÍTICO ATÉ ENTÃO PROÍBIDO


Vibração já tem acontecido no Estádio da Ilha, mas desta vez a festa não era de golos. Mais de duas mil peessoas reuniram-se ali para assistir e ou comparticipar na reunião convocada pela "Comissão Democrática de apoio à Junta de Salvação Nacional". Ainda mais do que  os oradores inscritos falaram os que para isso pediram autorização. Entre esses o mais infeliz terá sido Sebastião da Costa Pessoa que parece não se ter integrado por aí além no espírito da reunião e foi "ruado" em menos dum fósforo, aos gritos de "a democracia tem limites" (o qie é afirmação de alguma sensatez mas já deu aso a algumas tragédias razoáveis...). Os restantes foram vivamente aplaudidos. O Dr. Eugénio Ferreira, que preside à Comissão Democrática, lembrou uma longa lista de democratas e, utilizando uma linguagem um tanto empolada (..."holocausto dos abrutes que sorveram sofregamente a seiva e o suor das pedras vivas da Nação...") abriu uma sessãp que lá mais para diante haveria de assumir tom mais polémico. Outro nome conhecido, a Dra. Maria do Carmo Medina, lembrou os partidos políticos angolanos e manifestou a sua confiança no futuro do povo de Angola. Depois a coisa complicou-se um pedaço com sucessivos oradores, nem sempre demasiado coerentes ou explícitos embora sempre entusiastas. O mais escutado terá sido o Dr. João Urbano que requereu as instalções da DGS e da MP para a Comissão Democrática, garantiu que a presença dos militares é dispensável dado que os angolanos, livres das pressões anteriores saberão escolher o seu destino, requereu a presença dos militares para assegurar as liberdades prometidas pela Junta e isto sempre vivamente aplaudido.



Os estudantes universitários de Luanda reuniram-se numa Assembleia Magna, que pouco tempo antes teria sido verdadeiramente impossível, para discutir sobre uma efectiva democratização do ensino, e delinear um programa político.
Pela primeira vez na vida desta Universidade, para cima de mil alunos e alguns professores, reunidos no refeitório da U. L. puderam exprimir livremente ideias, propor soluções, discutir problemas. Poderá dizer-se que pouco de concreto de verdadeiramente "palpável" se terá extraído dessa reunião. Poderá objectar-se que algumas das soluções apresentadas e aclamadas são verdadeiramente impreticáveis. Que se atiraram de ânimo leve propostas que, a serem postas em prática, poderiam trazer um caos de deseordem. Que no fundo, a formação política da nossa massa iniversitária é bastante deficiente. Possivelmente tudo isso se poderá objectar. Mas, para além de todo o cepticismo temos forçosamente que nos aperceber que há da parte dos estudantes universitários um tremendo interesse, uma vontade enorme de participarem no momento actual e de meterem mãos à obra nada fácil, de tornar esta Angola um sítio bom de se viver, um sítio onde cor não seja em caso algum, barreira, e injustiça seja palavra de dicionário.


DIA 03 de MAIO de 1974

Era a cantar "São Nicolau ia passoca" que os internados no Campo de Recuperação que tinha o nome desse Santo natalício, principiavam o domingo - dos muitos domingos que normalmente se passavam em São Nicolau - enquanto na colina onde estava instalada a casa do Director subia, mastro acima a bandeira verde-rubra de Portugal.
"São Nicolau ia passoca" quer dizer qualquer coisa parecida com "está-se bem em São Nicolau".
A libertação dos primeiros presos abrangidos pelas determinações do Movimento de 25 de Abril, colheu de surpresa o Director e os próprios encarcerados. Nenhuma das quatro mil pessoas que constituiam a população prisional do campo deu o mais leve indício de grandes manifestações de júbilo. A maioria dos internados só a pouco e pouco se foi apercebendo que verdadeiramente se tinha operado um volte-face a oito mil quilómetros de distância. Dos 4.000 homens, mulheres e crianças, 2.335 eram presos, de idades dos 15 anos para cima, incluindo perto de 400 que sugeitando-se a compartilhar das condições do campo, faziam companhia aos encarcerados que atingiam uns certos graus de comportamento.
Nem um branco neste numeroso grupo, apenas pretos e mestiços, camponeses (imensos), pedreiros, marceneiros, carpinteiros, estudantes, (muitos, principalmente do Liceu Salvador Correia), vadios, (alguns), funcionários públicos, (da Fazenda, do CITA, etc.), ajudantes de despachante, enfim, uma amostragem completa da multifacetada terra angolana, onde não faltavam mesmo alguns intelectuais. 


DIA 04 de MAIO de 1974

As palavras que tenho para dizer não se dirigem a pessoas ou grupos especiais; haverão de ser entendidas como palavras de um Português que se dirige a todo o Povo Português; vou falar àqueles homens de boa vontade que tendo nascido à sombra da bandeira de Portugal, quer vivam em DILI, LUANDA, PRETÓRIA ou PARIS, estão resolvidos a reflectir isoladamente, a discutir em grupo e a pensar, com amor e tolerância, a forma ou formas como a actual Sociedade Portuguesa se virá a projectar no écran movediço da sociedade internacional.
Sei bem que no plano político, o que eu disser será, rigidamente vinculado à minha condição de membro da Junta de Salvação Nacional; este facto ampliará o auditório das minhas palavras mas, a sua verdadeira intenção só poderá ser sentida pelos homens de boa vontade, adversários ou simpatizantes da linha de pensamento do Movimento das Forças Armadas que, sinceramente, estejam dispostos a combater pela paz e tranquilidade, pelo bem estar, pela harmonia, pela liberdade dos destinos dos homens, dos grupos, das culturas, das raças que hoje vivem à sombra da Bandeira de Portugal.
Quereria ser sentido e entendido como um membro do Povo Português que teve o previlégio de ser chamado a servir o seu Povo em condições tais que a meditação, o sofrimento, a discussão aberta e liberal, o convívio com Portugueses de todos os quadrantes geográficos e políticos lhe permitam sentir a atribulação muda de um Povo que se queria resgatar.
Quis o destino que seja precisamente na maior parcela de Portugal de hoje que eu sinta a obrigação de exprimir em público uma interpretação sincera do fenómeno político agora em curso.
Sou obrigado a referir o anterior regime onde homens se constituiram em classe depositária da verdade absoluta e não souberam resistir à tentação de considerar inimigos todos aqueles que, por palavras ou por actos, afirmaram a sua discordância dos objectivos estão prosseguidos.
O Movimento das Forças Armadas no dia 25ABR74, interrompeu revolucionariamente a vigência desse sistema político que, ao desviar-se da alma do Povo, obrigou muitos Portugueses a lançar-se no exílio ou no recurso extremo do uso da volência para significar desacordo.
Esta revolução, feita com amor e sem ódio, entregou à Junta de Salvação Nacional um mandato difícil, mas belo; que oferece ao povo a oportunidade de defender a ordem e a PAZ, de criar um clima de concórdia onde todos os seus filhos poderão civilizadamente lutar pelos seus ideais, com o partido político ou a corrente de pensamento em que se sintam realizados.
Construir a nossa PAZ, a PAZ DO POVO, exige paciência para ouvir, tolerância para colaborar, muito perdão, muito amor à liberdade, tanto, que consideraremos crime atentar contra a liberdade alheia, muita compreensão até para aqueles a quem as incompreensões do passado lançaram nos extremismos da política ou da violência.
O povo português necessita transformar-se numa família ordeira; à sombra da bandeira de Portugal virão reunir-se os filhos dispostos à reconciliação, dispostos a discutir pacificamente os seus destinos. Serão destinos de vários ramos da mesma família, ramos que poderão ter várias formas ou graus de intensidade na ligação política entre si.
Porque me encontro em Angola, não resisto à tentação de referir certas interrogações que o movimento de 25ABR74 aqui possa ter projectado.
Houve quem admitisse que pedaços de Portugal, irmãos do nosso povo, seriam abandonados às suas próprias dificuldades?
Houve quem sonhasse com independências unilaterais proclamadas com base numa classe, numa cor, num credo, ou numa etnia?
A luz da vontade popular, o senso, o equilíbrio, a justiça, a autêntica auto-determinação dos Povos não permitiria a uma classe impôr uma soluçãp não prévia e validamente sufragada.
Em Angola, como em todo o espaço onde flutue a nossa bandeira, o povo terá de acelarar o estudo, trabalho, politização válida que permita construir na ordem a verdadeira Liberdade a liberdade consciente dos Povos.
O ano proposto no programa do Movimento das Forças Armadas para as eleições livres de uim Governo representativo exige a colaboração intensiva de todos os Portugueses, de todos os grupos, partidos, associações e correntes de pensamento. Este Governo srá ponto de partida para a construção, acelarada de uma verdadeira auto-determinação, tão verdadeira que cada um de nós não pode antecipadamente fixar para as parcelas de Portugal um figurino político com cortes ou ligações pré-concebidas entre essas parcelas.
Teremos de garantir a ordem e a tranquilidade para que livremente, sem temores, nem pressões, o povo venha a escolher as soluções que sirvam os seus verdadeiros interesses.
Na busca de soluções do Povo sempre havemos de considerar quanto a união e a dimensão de cada Povo condicionam os destinos dos seus filhos pela menor ou maior projecção no Mundo Novo que a Humanidade vai lentamete construindo.

SEGUIU-SE UMA SÉRIE DE PERGUNTAS E RESPOSTAS FESTAS PELOS SEGUINTES JORNALISTAS:





Militares portugueses prendem o escritor João Aguiar na Emissora Católica durante o programa Luanda 74. O João Aguiar tinha estado comigo na redacção da TVA onde colaborava com o Paulo Cardoso no arranque da televisão em Angola. Tinhamos feito amizade, ele fazia anos a 28 de Outubro, eu a 29 do mesmo mês, ele tinha nascido em 1943, eu em 1942. Lembro-me dele como uma pessoa de uma educação muito elevada, sempre com um cachimbo apagado no canto da boca, da adoração pela irmã (locutora da televisão em Lisboa), da cuidada cultura que possuia. Na altura vim a saber que por não ser seguidista da esquerda implantada na Emissora Oficial, onde colaborava também, o representante do MFA em Luanda tinha ordenado a sua prisão e expulsão para Lisboa.


Em tempo de democracia não faltavam as manifestações. Em Luanda, os talhantes terão sido dos primeiros a vir para a rua. Mais de uma centena deles, empunhando numerosos dísticos, percorreram algumas artérias da cidade contactando com autoridades responsáveis ligadas directamente aos problemas do comércio da carne. Jacinto António Bento, sócio-gerente do talho Pastoril, na rua Silva Porto, explicava a situação:
A maior dor de cabeça para os talhantes consiste em não haver tabelas estipulando os preços de compra; desse modo vemo-nos obrigados a pagar sempre o que o produtor muito bem estender. Os marchantes sabem bem que se não existirem criadores não existirão marchantes, mas alimentar uma classe com o "sangue" da outra é desumano, mas é, na realidade, o que está a acontecer.
Uma comissão dos marchantes de Luanda foi recebida na Inspecção das Actividades Económicas pelo Inspector Caetano. A mesma comissão esteve depois nos Serviços de Comércio e foram recebidos pelo Dr. Baltazar e pelo Dr. Barros que disseram aos marchantes não serem precisos aqueles cartazes para serem recebidos e devidamente atendidos, ao que aqueles responderam que a Dra. Manuela Candeias se tinha negado várias vezes a receber o Grémio. Neste protesto estava ainda implicita a atitude do Secretário Provincial da Aghricultura Eng. Romero Monteiro.


GREVE DOS BANCÁRIOS
Aplauda-se a maneira serena, colaborante, objectiva, como o Sindicato dos bancários apareceu a apoiar e aplaudir o apelo do governo provisório para a suspensão das greves. Entenderam os bancários que havia assuntos mais prementes a resolver, que havia deserdados maiores em benefícios sociais, que só com trabalho e perseverança se consiguiriam os meios de Angola se contruir como país forte e próspero.